quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Longe não existe

Este blog foi criado para contar minhas aventuras em Blumenau. Que acabaram ficando tão emocionantes que faltou tempo para relatá-las a contento. No capítulo de hoje, a partida, rumo a uma nova vida longe daqui. Mas as festas de outubro que me esperem.
Deixo abaixo um poema de Tchello D'Barros para relatar mais ou menos como estou me sentindo agora.


Vila Itoupava: um dos mil pedaços encantados de Blumenau, que Deus me deu o presente de conhecer.



Eu trouxe tanta coisa de Blumenau

Tchello D’Barros

Eu trouxe tanta coisa de Blumenau

parece que o Itajaí-Açu

corre por dentro de minhas veias.


Uma camisa de malha branca

tecida na Itoupava, costurada no Garcia

por uma moça que fala alemão.


Um par de copos de claro cristal

translúcido e feérico

para um dia brindar a felicidade.


Trouxe na mala da saudade

os aromas e sabores do Vale

e o perfume na espuma do chopp.


Eu trouxe impresso na alma

o semblante ígneo de uma musa

duas mandalas em seus olhos.


Eu trouxe muita coisa de Blumenau

poemas, desenhos e afetos.

Só não trouxe o meu coração.

domingo, 1 de agosto de 2010

O baile da colheita


Eu sempre soube que sair do conforto trazia dores e delícias. Deixar São Paulo nos privou de algumas coisas – além de família e amigos queridos – das quais eventualmente sentimos falta. Mas de vez em quando vivo em Santa Catarina experiências que, se tivesse continuado confortavelmente instalada na nossa vida paulistana, nem sonharia em passar.

Na noite do sábado, 31 de julho, entramos no carro e fomos até o Baile do Colono no Clube do Warnow, na cidade de Indaial, vizinha aqui de Blumenau. O Warnow (Fárnof) é uma comunidade que ainda concentra – a exemplo de vários bairros na região – muitos descendentes de alemães, com a peculiaridade de manter construções e costumes bem tradicionais. O Baile do Colono é um deles. Apesar de ter ouvido falar e ter ansiado por conferir de perto, eu realmente não estava preparada para tudo.

Já na entrada do clube e no imenso salão de baile de assoalho de madeira estavam pendurados por todo o forro, vigas e pilastras, vários produtos que o trabalho rural pode proporcionar. Frutas, legumes, folhas, embutidos, enormes raízes de mandioca, cuidadosa e harmonicamente dispostos, enfeitando o ambiente.

Esperando o começo da festa.

Chegamos imediatamente antes do início das músicas, a ponto de eu poder observar a ansiedade de quem circundava a pista, aguardando os primeiros acordes. Tinha gente de todas as idades e estava bem claro que aquele era um evento muito aguardado. Com a pista vazia, pude ver também os ornamentos fixos do salão, um dos inúmeros clubes tradicionais de caça e tiro fundados no século XIX quando os imigrantes alemães chegaram à região. Por isso, nas paredes estão os campeões de tiro de cada ano, desde mil oitocentos e tal, além dos alvos coloridos com pássaros, ainda com os furos dos tiros e o nome do respectivo “Rei do Pássaro”, título almejadíssimo pelos praticantes de tiro das agremiações.

Os alvos de pássaros, com as marcas de tiro, enfeitam o salão.


Veja as datas e tente ler os sobrenomes...

Pra quem não está familiarizado, pode parecer o extremo do politicamente incorreto um grupo que se organiza em torno da prática de tiro. Mas foi desta forma que surgiu a maioria dos clubes aqui no Vale do Itajaí e, assim como o do Warnow, os que são preservados guardam uma beleza extrema e paradoxal em suas histórias que misturam tiros, alvos, danças e música. Clicando aqui você fica sabendo um pouco mais da história da Sociedade do Warnow: http://migre.me/11tj5

O bailão a mil, com a "feira" ainda pendurada no teto.

Quando a banda começou a tocar, mais surpresas para nós, forasteiros. Foi a primeira vez na vida em que dancei num baile até de madrugada sem ouvir uma música sequer em inglês. O repertório variava dos bailados gaúchos, bem populares por aqui, até música sertaneja nova e caipira antiga (“Baile na roça, meu bem se dança assim...”), passando por algumas canções tradicionais alemãs e o “zicke zacke hoy hoy hoy” que a gente ouve na Oktoberfest. A pista tem uma lógica: os pares – formados muitas vezes por duplas de mulheres que não se importam se não são tiradas para dançar – circundam no sentido anti-horário e não existe “música lenta”, só “animada” ou “animadíssima”.

Quem não dança, senta nas mesas na lateral e bebe cerveja ou refrigerante. Magras enjoadas e urbanóides não podem ir porque Coca zero não tem, só “normal”. Afinal, as alvas e esguias descendentes germânicas não estão nem aí pro açúcar que se recusa a se acumular nos magérrimos quadris delas, e as restantes, acima do peso, priorizam outras coisas na vida e tampouco parecem se importar com os padrões que só quem acompanha a São Paulo Fashion Week adota.

Aliás, o baile do Warnow deveria entrar no calendário os olheiros das agências paulistanas. É de nos deixar boaquiabertos a perfeição do rosto de algumas moças. Eu fui com um sapato bem baixinho porque queria fotografar e acompanhar cada momento do baile sem nada me apertando. E rodando na pista a toda hora eu era ultrapassada pela mulherada com seus brilhantes olhos azuis e dois palmos acima da minha modesta altura.

Enquanto a música rolava sem parar, alguns afoitos tentavam “colher” a feira antes da hora. Os seguranças presentes não perdiam tempo e davam um aperto no atrevido. Então, de madrugada, com muitas damas já de pés descalços rodando no salão, o momento tão esperado. “Três, dois, um, podem começar a colheita”. A turba pula, sobe nos ombros dos amigos, e salve-se quem puder. Depois de muita gritaria e risada, salsichões, repolhos e laranjas se acumulam nas mesas e parte do supermercado da semana está garantido.

Três, dois, um, já!


Quem colhe mais, leva mais.


O resultado da nossa colheita.

Perto do fim do baile, na hora de matar a fome, mais surpresa. Anexo ao salão de baile funciona a cozinha do clube, com legítimas “omas” (vovós) preparando pastéis, espetinhos de frango e o famoso heringsbrot: uma fatia de pão colonial encimada de fatias de ovos cozidos e sardinha marinada, mais tradicional impossível. Ah, pra beber? Café com leite bem alemão, ou seja, muito café com um pingo de leite.


As responsáveis pela cozinha do clube do Warnow.


O heringsbrot.


Três da manhã: pastel, heringsbrot e café com leite.

Nem esta longa descrição nem as fotos que estão aqui são capazes de retratar fielmente a experiência. Por isso, ano que vem, final de julho, começo de agosto, onde quer que eu esteja, vou tentar me agendar pra repetir a feira mais divertida, autêntica e original que eu já fiz na vida. Se você quiser, venha porque vale a pena.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Fim da história

A Livraria Alemã, de Blumenau, é uma “entidade” municipal, de 58 anos. Há um tempo fechou sua filial no shopping. Está cerrando as portas de sua matriz em uma das principais esquinas da cidade, ao que parece, porque o grupo que a adquiriu, o Todo Livro, decidiu ter como core business, seu negócio principal – pra falar a linguagem dos marqueteiros modernos - a distribuição de livros didáticos.
Na publicidade do jornal local, o lema do fim da loja é “Final Feliz”. Então, ontem pela manhã fui aproveitar as promoções incríveis anunciadas para o fechamento. Fui animada, mas foi um balde de água fria. Senti uma desolação tremenda. Vi o desgaste e o desânimo no rosto dos funcionários, talvez ainda atarantados com a situação. Não sei se têm alguma perspectiva pela frente.
Esperando para pagar meus livros, ouvi o desabafo de uma senhora com seus 50 anos, conversando com a caixa – talvez falando um pouco consigo mesma. “Isso aqui é parte da minha vida. Eu vinha com meus pais, do tamanho dessa menina”, apontando para a menininha ao meu lado, com seus seis anos. Os olhos dela estavam marejados e ela pedia à moça que a atendia uma previsão para o futuro do lugar. “Ninguém sabe”, foi a resposta.
Então tive a brilhante idéia de fazer uma matéria no lugar para postar no blog, conversar com funcionários e clientes, para que registrassem o que o espaço significou em suas vidas. Aí fui conversar com a gerente, explicando que queria escrever sobre o momento. “Pra quê?”, rebateu, mostrando-se absolutamente refratária à idéia e portando-se polidamente apenas no limite do agressivo.
Meio assustada, comecei a refletir. A postura, além de alinhar-se com o temperamento germânico – a livraria é Alemã, oras – de não compartilhar sentimentos, sobretudo os de dor e derrota com estranhos, é justificável. A situação em si, de uma página tão importante da história da cidade sendo fulminada, já é tão triste, que não vale a pena escarafunchá-la. É melhor respeitar em silêncio o momento que se apresenta.
Fica aqui então o espaço para quem quiser expressar o seu adeus à Livraria Alemã.

terça-feira, 23 de março de 2010

Identificação


Encontrei este texto na Vogue de março. E, guardadas as devidas proporções, me identifiquei taaanto com a jornalista que escreveu... Foi uma felicidade e um consolo. Pena eu ainda não ter certeza se fico em Blumenau ou vou embora. Apesar de um crescimento na carreira ter ficado em décimo plano na vida, eu... queria ficar.
Não tenho uma praia da janela do meu "escritório", como ela, mas tenho o céu, as árvores e esta linda bananeira flor. Tô feliz.

“While I’m off playing Little House on the Prairie, I wonder what is happening to my career. Some days it feels like my hours unravel from under me, that I’ll never get anything written and that it’s all a mistake. On other days, I luxuriate in the quiet of my new office, where from my big oak table I have a sprawling
view of the sky, the trees, and the little dirt lane that runs down to the beach. Then I realize that space and slowness are what I need and that my ideas flow more easily that way. I thought I knew what creativity looked like: neurotic, kinetic, overflowing. There’s another side to the story, and it
comes with patience.”

A matéria inteira está em
http://www.jessicakerwinjenkins.com/lives.kerwin.pdf

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Lar


Num dia 20 de janeiro, há dois anos, me mudei para Blumenau. Além de a cidade, por sua própria natureza, ser um lugar fácil de fazer a gente feliz, eu tive epifanicamente neste dia, uma garantia. A de ter entrado em minha casa blumenauense mais ou menos na mesma hora em que a imagem de São Sebastião, o padroeiro da minha cidade natal, saía pelas ruas do centro histórico na procissão que arrebanha os moradores cantando “Sebastião glorioso, santo mártir do Senhor (...) imploramos seu favor”.
Na última quarta-feira eu engrossei a procissão – o que faço sempre chorando, porque estremece as minhas lembranças de infância – ao mesmo tempo em que me recordava de, dois anos antes, estar entrando com a mesma fé na minha nova morada em Blumenau. Não sem uma pontinha de lamento pelo fato de que, ao que tudo indica, no próximo janeiro eu não estarei mais em Santa Catarina.
Ainda nos paralelos entre São Sebastião e Blumenau, sentada na Sorveteria Rocha, tomando um sorvete sabor prestígio, meu preferido desde sempre, cumprimentei o dono, seu Zé. A minha filha perguntou: “Por que você disse oi pra ele?”. E aí eu expliquei que ele me conhecia porque eu tomava sorvete lá desde que era da idade dela. E a Bi demonstrou um enorme espanto por isso.
E fiquei pensando nas vantagens e desvantagens de morar um tempo aqui, outro lá. Porque passei toda infância e adolescência tomando sorvete na mesma sorveteria. E minha filha? Levará as tenras amizades que firmou aqui em Blumenau? Espero que ela possa voltar aqui muitas vezes e dizer muitos “oi” num passeio pela rua XV. De minha parte, já tenho gente daqui ocupando no coração um lugar juntinho com os que conheci pequenina, em São Sebastião.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A vida em ondas

Este espaço tão querido, que me ajudou a não perder a capacidade de unir idéias enquanto eu era uma desempregada meio infeliz, foi abandonado em agosto de 2008, justamente quando eu entrei na equipe da Furb TV. Agora eu retomo. Pelo simples motivo de que não estou mais lá.
E meu primeiro post desta nova fase é para registrar este quase ano e meio na redação “dos sonhos”.
Fui começando porque achei que seria importante para o meu currículo um trabalho em TV, que eu não tinha. E sem dúvida saio com meu portfolio enriquecido, já que as tarefas não se restringiram à produção, para a qual fui contratada. E o que eu encontrei? Aprendizado, respeito e uma incrível troca de informações profissionais. Eu era uma pessoa, hoje sou outra, muito, muito melhor. Levo amizades que sei que vão durar pro resto da vida, mesmo que eu perca o contato com os queridos de lá.
Mas por que o sonho acabou?
Simples, porque 1 + 1 tem que ser igual a dois e não menos que isso. Esta lógica que funciona perfeitamente nos orçamentos – motivo da implosão da Furb TV – é alienígena numa redação formada prioritariamente por piscianos (onde isso poderia dar certo? Mas esse é mais um motivo pelo qual era tudo tão bom e tão divertido...).
Quem embarca na viagem das razões existenciais de uma pauta e nas filigranas das declarações de um entrevistado, sempre pensando na missão primordial de uma TV educativa, não costuma se ater ao fato inoportunamente real de que tudo custa dinheiro e de que vivemos numa cidade em que ninguém quer dar apoio cultural a uma TV educativa, e sim investir em publicidade nas redes comerciais. Mais uma lição para a vida de todos.
A lamentar, o desperdício dos profissionais demitidos, moldados para fazer jornalismo de bom gosto e a preocupação de saber que fim terá o acervo da TV, tão importante para a história de Blumenau. Espero que tudo se resolva.
Aos colegas já falei meu obrigada. E repito mil vezes.

PS1: Como quase tudo na minha vida, a conjuntura colabora para os rumos pessoais. Por causa de mudanças na empresa do Ricardo, devemos arrumar as malas de volta a SP até o fim do ano. Tenho mil anotações sobre Blumenau que ficaram espalhadas por aí. Agora que voltei a ser dona de casa, mas não desesperada, vou registrar aqui, logo, logo.

PS2: Escrevo de São Sebastião, na varanda da casa da minha infância, um casulo de perfeição alheio ao resto do mundo. Como diria Adélia Prado: "Que mundo ordenado e bom!"

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Parede




Felizarda, nasci num dos pontos mais lindos do litoral do Brasil – e do mundo, segundo alguns amigos estrangeiros -, São Sebastião, costa norte de São Paulo. Por isso cresci cercada pela muralha. De qualquer ponto da cidade eu podia avistá-la. De um lado, se ergue no rumo oeste. De outro, ao longe, na serra de Caraguatatuba. Ao sul, nos caminhos para praias como Maresias, Camburi e Boiçucanga. E a leste está a enorme parede verde de Ilhabela.
A massa inebriante da Mata Atlântica é colírio puro. E o que encanta é se estar na beirada da praia, perto de um mar muito límpido e olhar para trás e ver tamanha diversidade vegetal. Com essa infância privilegiada, não foi difícil me identificar com Blumenau e suas densas florestas urbanas. Tive ainda o privilégio de me instalar no alto de um morro, na última casa da rua, quase no meio da mata, vendo só verde aqui por detrás do meu computador.
Do litoral catarinense eu só conhecia Florianópolis e algumas outras cidades ao sul, como Guarda do Embaú e Imbituba, até Laguna. Mas essa parte mais ao norte da costa, próxima a Blumenau, que fui conhecer após minha mudança, tem uma vegetação muito mais densa do que lá no sul, e em alguns pontos muito semelhante à da minha região natal. A muralha também está aqui, e eu a vejo da minha varanda, numa visão reconfortante porque evoca os cenários da minha infância.
Da primeira vez que peguei a estrada e segui rumo às praias, tudo estava muito bem. Mas, após uma curva, o que se descortinou na minha frente foi um choque tão absurdo, que a sensação que eu tive foi a de ter entrado num filme de ficção científica, naquelas cenas em que o personagem é abduzido e levado para outro planeta.
A visão de Balneário Camboriú é uma cacetada. Você sabe que logo ali está a praia, mas se ergue à sua frente uma massa brutal de edifícios que simplesmente não combina com o que você tinha visto até então. Pode até ser que eu seja sensível demais, mas foi um choque tão tremendo que, além de eu custar a me recuperar, até hoje não tive coragem de pegar o trevo de acesso à cidade e me arriscar a ir a uma praia dali. Apesar de todo mundo falar que “Balneário é tudo”, eu continuo preferindo a muralha verde à de concreto.
*Esta maravilhosa imagem de São Sebastião é do meu amigo-irmão J. Valpereiro, um artista-fotógrafo.